Com apoio de R$ 200 mil do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para finalização, o documentário Quando a Coisa Vira Outra mergulha em impressões e histórias que marcaram a trajetória de Vladimir Carvalho, ativo artista do cinema verdade brasileiro.
Dirigido por Marcio de Andrade, o filme está nos catálogos VoD das plataformas Claro Net, Sky, Vivo TV e Oi TV. No dia 29 de junho, estreia na faixa dedicada ao festival É Tudo Verdade, no Canal Brasil.
Segundo o baiano Glauber Rocha, Vladimir Carvalho é, entre outras coisas, o Dziga Vertov da caatinga. A comparação com o revolucionário documentarista russo do século passado, que transformava cotidiano urbano e pessoas em poesia, não foi exagero. Assim como é bem apropriada a definição do diretor de fotografia Walter Carvalho de que o cineasta paraibano e seu irmão, hoje com 87 anos, faz um “cinema da desigualdade”.
Com poesia, diálogos sinceros e até mesmo reveladores entre os dois irmãos, Quando a Coisa Vira Outra passa em revista a trajetória de um dos mais relevantes nomes do audiovisual brasileiro, falando sobre processo criativo, inspiração, entrevistados, bastidores de gravação – alguns polêmicos –, enfim, sobre a paixão pelo cinema.
O filme apresenta os segredos da arte de filmar e os desdobramentos sociais e humanistas desse ofício pelos olhos e lentes de duas feras do gênero. Até mesmo o título foi pinçado de uma frase inspiradora do caçula Walter Carvalho que, por sua vez, fotografou marcos do cinema nacional como Lavoura Arcaica (2001) e Amarelo Manga (2006), e depois dirigiu obras de peso como Budapeste (2009) e Raul – O Início, o Fim e o Meio (2011).
“O Vladimir tem uma visão humanista muito pessoal, com um trabalho dividido entre o campo e a cidade”, comenta em dado momento do documentário Walter Carvalho, que começou a fazer cinema graças ao irmão mais velho. “A gente se reconheceu depois como companheiro, como parceiros do cinema”, revela Vladimir, noutro trecho.
Nordeste e Brasília
Carioca que passou a infância e A adolescência em Brasília, Marcio de Andrade, diretor de filmes como Asfalto (2015) e Estela do Patrocínio – A Mulher que Falava Coisas (2007), como boa parte de sua geração, aprendeu a gostar do rock da capital e dos filmes que passavam no Cine Brasília. Sobretudo durante os vários festivais de cinema que acompanhou no espaço. Foi em uma dessas sessões, inclusive, que ele se apaixonou pelo cinema social de Vladimir Carvalho.
“Eu sempre tive vontade de trabalhar com o Vladimir. Ele é um menino inspirador, é uma figura inovadora e motivadora”, comenta Marcio de Andrade, que desde 2016 esteve debruçado sobre o projeto.
“A ideia do filme nasceu quando ele tinha 80 anos. Tivemos muita dificuldade em encontrar filmes do Vladimir preservados. Percorremos vários lugares, é uma obra que precisa ser resgatada”, diz.
Assim, frame a frame, o espectador vai se inteirando da carreira poderosa que começou no início dos anos 1960. Teve início com o pouco conhecido registro Os Romeiros da Guia (1962), passando pelo cultuado curta A Bolandeira (1969), importante no surgimento do cinema novo, aliás, até chegar a trabalhos consagrados como O País de São Saruê (1971) – nove anos censurado –, Conterrâneos Velhos de Guerra (1991), Barra 68 – Sem Perder a Ternura (2001) e Rock Brasília (2011).
“O filme tem uma edição poética que deu conta da minha carreira, me senti representado nesse projeto”, comenta Vladimir, carinhosamente chamado pelo irmão ao longo dos depoimentos de Vlad. “Fiquei muito feliz por essa homenagem que tem meu irmão Walter como narrador”, comenta ainda.
Documentário histórico
Mergulhado em uma narrativa construída em cima de vários relatos e memórias preciosas, o espectador vai se inteirando dos vários Brasis registrados por Vladimir ao longo de 60 anos com a câmera na mão. Há espaço para nostalgias líricas, como a história do engenho de açúcar que foi um dos personagens do filme seminal que influenciou todo um movimento cinematográfico, assim como a amizade com outra lenda do documentarismo, Eduardo Coutinho. “O Coutinho permaneceu para mim como um exemplo de ética, de respeito total ao entrevistado, que é o DNA da obra dele, um exemplo”, lembra-se.
Quando a Coisa Vira Outra não deixa de ser um resgate dessa obra cinematográfica extensa, que se divide em dois tomos, ambos sedimentados por um olhar social contundente e por um humanismo singular. Destacam-se as lembranças aos filmes com temática nordestina e trabalhos focados nos dramas e tragédias tipicamente brasilienses.
A vontade que se tem, ao terminar de ver o documentário, é de sair por aí tentando ver ou rever os vários clássicos dirigidos pelo diretor homenageado. Até pela grandeza do personagem e de sua obra, eis um projeto que merecia uma série em vários capítulos ou dezenas de sessões.
*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF
Fonte: Agência Brasília