Mesmo com a tentativa de reescrever as regras da inelegibilidade, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL) segue sem condições de disputar eleições. As recentes alterações na Lei da Ficha Limpa, aprovadas em 2025, não se aplicam a condenações antigas nem anulam o histórico de improbidade que o tornou símbolo nacional da corrupção política.
A esperança de retorno eleitoral do ex-governador — condenado em cinco ações ligadas à Operação Caixa de Pandora, que escancarou o mensalão do DEM no DF — esbarra em dois pilares jurídicos inabaláveis: o princípio da moralidade administrativa e o veto presidencial à retroatividade.
STF já firmou posição: moralidade acima de conveniência política
De acordo com o ex-ministro do TSE Carlos Horbach, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que mudanças em leis de improbidade e inelegibilidade não têm efeito retroativo. “Não se pode tomar como pacífico o entendimento de que a regra mais benéfica será aplicada de modo automático aos casos já julgados”, disse, ao relembrar o julgamento do Tema 1.199, que reforçou o valor da moralidade na vida pública.
O também ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello foi direto: “Se não se trata de lei penal, a retroatividade é imprópria”. Em outras palavras, políticos condenados por desonrar a função pública não podem se esconder atrás de tecnicalidades jurídicas para limpar a própria ficha.
Veto de Lula trava manobra legislativa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou todos os trechos da nova lei que previam a aplicação das mudanças a processos em andamento ou já julgados. O recado foi claro: quem sujou as mãos com dinheiro público deve continuar fora da disputa eleitoral.
Com isso, Arruda segue inelegível até, no mínimo, 2032, já que a última condenação — proferida em novembro de 2024 — renova o prazo de oito anos estabelecido pela legislação. A tese de que suas cinco condenações deveriam ser unificadas num único período de inelegibilidade é vista por juristas como uma tentativa desesperada de distorcer a lei para benefício próprio.
Caixa de Pandora segue aberta
A defesa de Arruda alega que as condenações decorrem de um mesmo contexto político — a Operação Caixa de Pandora — e, por isso, deveriam contar como um único fato. No entanto, cada ação judicial trata de contratos e esquemas distintos, o que torna juridicamente impossível a unificação.
Mesmo após mais de uma década do escândalo, o nome de Arruda continua associado à corrupção sistêmica que envergonhou o Distrito Federal e manchou a imagem da política local. Enquanto tenta posar de vítima, a realidade jurídica o mantém na condição de inelegível reincidente, condenado por múltiplos atos de improbidade e desvio moral.
STF volta a analisar a constitucionalidade da nova lei
O Supremo Tribunal Federal deve decidir, até as eleições de 2026, o destino da Lei Complementar nº 219/2025. A ministra Cármen Lúcia, relatora da ação direta de inconstitucionalidade, já pediu explicações ao Planalto e ao Congresso sobre o processo legislativo que originou as mudanças — que podem ter sido aprovadas com vícios formais.
A ironia é que a mesma ministra foi responsável por indeferir a candidatura de Arruda em 2022, ao reafirmar que a moralidade e a probidade são condições indispensáveis para o exercício da vida pública.
Ficha suja e sem saída
Com cinco condenações, uma coleção de escândalos e uma trajetória marcada por prisões, delações e escárnio público, José Roberto Arruda tenta se reinventar como vítima de perseguição. Mas os fatos falam mais alto: o ex-governador foi condenado por roubar a confiança do eleitor e dilapidar os cofres públicos.
A Justiça pode até revisar leis, mas não apaga o passado. E, no caso de Arruda, o passado pesa como uma sentença moral definitiva: quem trai o interesse público não tem lugar no futuro da política.