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Entenda pagamento a empresas jornalísticas por conteúdo em rede social

O relatório sobre o Projeto de Lei 2370/2019 que estabelece pagamento de direitos autorais e remuneração a veículos de imprensa e artistas por reprodução de conteúdo em ambientes digitais foi entregue no último sábado (12) pelo deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA). 

A nova versão do texto do relator passa a incluir a sustentabilidade do jornalismo por meio de regras e diretrizes para remuneração de conteúdos jornalísticos digitais produzidos e reproduzidos pelas big techs, como são conhecidas grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta. 

O tema estava sendo tratado no Projeto de Lei nº 2630/2020, mas foi remetido ao PL 2370/2019, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o projeto deve ser votado em breve. Se for aprovado, segue para o Senado. 

O texto entende como jornalístico “o conteúdo de cunho eminentemente informativo, que trata de fatos, opiniões, eventos e acontecimentos, em geral de interesse público, independentemente do tipo ou formato, observados os princípios e padrões éticos de conduta no exercício da atividade de jornalismo”.  

A jornalista e coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, Bia Barbosa, explica que as plataformas digitais utilizam as notícias dos veículos de comunicação para gerar renda que não se reverte para quem produz a notícia. “Quando você usa serviços como o Google News ou quando você vai dentro do YouTube e tem uma aba de notícias, de conteúdo pré-selecionados ou quando você usa a aba de notícias do Twitter, os serviços são chamados agregadores de notícias. São oferecidos por plataformas para os usuários e, portanto, elas lucram com isso, é um valor agregado do serviço de postagem de feed que as plataformas fazem sem investir nada”. 

Brasília - Bia Barbosa, do Intervozes, participa do relançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Brasília - Bia Barbosa, do Intervozes, participa do relançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Jornalista e coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, Bia Barbosa – Foto: Antonio Cruz/Arquivo Agência Brasil

Quem está investindo para produção desses conteúdos são as empresas jornalísticas, segundo a coordenadora, que não são remuneradas. “A discussão começou muito baseada na mudança que aconteceu de transferência da publicidade – antes o principal modelo de negócios para financiar os meios de comunicação – e essa publicidade também migrou para o ambiente digital.” 

Além disso, as bigh techs têm ganhos econômicos diretos ao publicar anúncios em resposta a buscas relacionadas com notícias, já que o conteúdo noticioso atrai e mantém usuários em seus serviços e utilizam a plataforma para outras buscas.

A publicidade digital brasileira movimentou R$ 32,4 bilhões em 2022, alta de 7% em um ano, segundo dados do estudo AdSpend, do IAB Brasil. 

Defesa

Mais de 100 organizações e empresas de jornalismo de pequeno porte e independente apoiam o projeto, dentre as quais a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação de Jornalismo Digital (Ajor). 

Segundo as entidades, boa parte das críticas que as pequenas empresas de jornalismo, influenciadores digitais de esquerda e sindicatos profissionais tinham com relação ao projeto foram resolvidas ou amenizadas, na última versão. Pessoas físicas que já produzem conteúdo jornalístico terão seis meses para constituir pessoa jurídica e passar a se beneficiar da regulação.

Para evitar que os valores hoje destinados à publicidade e aos contratos com empresas de jornalismo pelas plataformas sejam impactados negativamente, o projeto prevê que esses recursos sejam considerados nas novas negociações entre plataformas digitais e empresas jornalísticas.  

Segundo as entidades que assinam a defesa, há definição das prioridades em termos de negociação, “uma vez que o PL agora traz que a remuneração do jornalismo por plataformas digitais visa fortalecimento do jornalismo nacional, regional, local e independente, da inovação e da valorização e contratação de jornalistas e de trabalhadores relacionados à atividade”.

Outro ponto é que a audiência a ser considerada para estabelecer os valores de remuneração é aquela nas próprias plataformas e não em todo o universo digital, o que favorece empresas de jornalismo que têm uma boa presença nessas aplicações.  

A mediação de negociação entre plataformas e empresas de jornalismo pode ser feito por arbitragem privada, mas também pelo Poder Público, o que significa possibilidade de baixo custo para o processo de negociação quando tratar-se de empresas pequenas, informa as entidades.  

A nota emitida pela Fenaj afirma que a “remuneração do jornalismo por plataformas é fundamental, deve promover pluralidade e contemplar profissionais”. Diz ainda que as regras devem fortalecer iniciativas de diversos tipos, regionalidades e tamanhos, não se limitando a institucionalizar acordos comerciais entre grandes plataformas digitais e conglomerados de mídia. 

“De forma inequívoca, a nova regulação deve contemplar também pequenos veículos, organizações de jornalismo públicas e sem finalidade lucrativa, e alcançar também os profissionais envolvidos na produção noticiosa, como jornalistas e radialistas. Neste sentido, a partilha dos recursos deve ser prioritariamente reinvestida na produção jornalística, contemplando os trabalhadores, e no melhoramento das suas condições e ferramentas de trabalho”, afirma a Fenaj.

Outro ponto chave da discussão são os parâmetros a serem considerados na remuneração pelas plataformas, alerta a Fenaj.

“Estes devem ir além de critérios meramente ligados ao negócio das empresas jornalísticas, como a audiência, e considerar a atuação dos veículos para mitigar desertos de notícias, informar comunidades específicas e impactar socialmente o fomento a negócios locais. Da mesma maneira, os parâmetros para a remuneração não podem ser construídos como brecha para que modelos de negócio predatórios, caça-cliques, sensacionalistas ou desinformativos sejam ainda mais privilegiados no ambiente digital. É preciso estabelecer salvaguardas para evitar que organizações difusoras de conteúdo sem compromisso com a ética da atividade possam se beneficiar da remuneração por plataformas”.

Brasília (DF) 04/05/2023 Comissão de Comunicação da Câmara discute Fake news e disseminação de ódio nas redes. João Brant da SECOM fala na comissão.
Foto Lula Marques/ Agência Brasil.
Brasília (DF) 04/05/2023 Comissão de Comunicação da Câmara discute Fake news e disseminação de ódio nas redes. João Brant da SECOM fala na comissão.
Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant – Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant, destaca que, nos últimos anos, não houve investimento por parte das plataformas, e só ganhos. “Nos últimos dez anos, a maior parte da publicidade digital foi absorvida pelas grandes plataformas, sem que tenha havido investimento significativo em produção jornalística.  O que gerou aumento da exploração predatória dos conteúdos pelas plataformas. E este é um cenário que vale para o mundo todo. Por isso, vários países estão buscando soluções para enfrentar esses problemas, como a Austrália e a França, por exemplo”.  

Para Brant, o PL contém avanços que podem beneficiar todos os produtores. “O projeto 2370, de iniciativa do Legislativo, contém importantes avanços que podem beneficiar todos os produtores de conteúdo jornalístico, grandes ou pequenos, privados ou públicos. Sobre os critérios para definição de valores, é difícil escapar de fatores relevantes como audiência e volume de produção, mas isso não significa que eles devam ser os únicos. Entendemos que cabe tanto detalhamento dos critérios para definição dos valores para remuneração quanto regulamentação para inclusão de outros critérios”.

Pontos críticos 

Enquanto não é aprovado, especialistas da área comentam a necessidade de aprimoramentos no relatório do deputado Elmar Nascimento.

Segundo a coordenadora de incidência do Repórteres sem Fronteiras, no Brasil a proposta que está sendo discutida é baseada em acordos a serem estabelecidos depois da legislação, entre plataformas e empresas de comunicação.

“Vai depender de um acordo que vai precisar ser feito entre as partes depois que a legislação for aprovada, mas que determina que, se as plataformas usam esses conteúdos por iniciativa própria, portanto, deveriam gerar remuneração para quem produziu e investiu para a produção daquele conteúdo”, destacou Bia Barbosa. 

Um dos problemas apontados por especialistas é que os critérios da lei podem gerar ainda mais concentração das grandes corporações de comunicação. São três as principais condicionantes para cálculo dos valores destinados à imprensa: o volume de conteúdo jornalístico original produzido; a audiência, nas plataformas, dos conteúdos jornalísticos produzidos pela empresa; o investimento em jornalismo aferido pelo número de profissionais do jornalismo regularmente contratados pela empresa, registrados em folha de pagamento e submetidos à Rais (Relação Anual de Informações Sociais).

“Se isso for feito sem considerar os critérios que estão sendo discutidos na lei, vai gerar ainda mais uma concentração dos meios de comunicação no Brasil, porque, de novo, serão os grandes produtores de conteúdo a receber recursos, enquanto as iniciativas estaduais, regionais, locais ou iniciativas temáticas, com cobertura focada em um tipo de tema, não vão receber porque não farão parte dos acordos. Se não regular de maneira a promover a pluralidade, a tendência é gerar sustentabilidade para o jornalismo, mas só para os grandes meios de comunicação”, ressalta a coordenadora do Repórteres sem Fronteiras. 

Ponto delicado também é a promoção da desinformação. “Para evitar que o PL remunere conteúdos desinformativos e tenham sua audiência inflada artificialmente, é importante, por um lado, a definição de jornalismo trazida pelo texto observar, como critérios para remuneração, os princípios e padrões éticos de conduta no exercício da atividade de jornalismo. Por outro, a audiência deve desconsider o alcance obtido por técnicas artificiais de manipulação de engajamento”, aponta Bia Barbosa.

O representante da Coalizão Direitos na Rede, Paulo Rená, também acha importante garantir a diversidade. “Nossa prioridade é garantir a diversidade regional e local no campo específico do jornalismo, que está passando por uma crise generalizada no âmbito do serviço online. A forma de as plataformas digitais remunerarem o jornalismo entra nesse contexto maior, porque precisamos de meios de comunicação de veículos profissionais de diversas dimensões, que possam ser informação confiável”. 

Outro ponto a ser debatido, segundo Rená, são os critérios aplicados para a remuneração. 

“A lei deve oferecer os instrumentos para serem aplicados neste ecossistema de remuneração do jornalismo. Tem que dar as regras, não permitindo, por exemplo, que as plataformas façam acordos com uma grande empresa de comunicação e excluam as demais. Essa é uma possibilidade absolutamente real e que a gente acha que seria muito prejudicial intensificar a concentração de recursos da remuneração do jornalismo em uma ou duas grandes empresas, isso só prejudicaria as demais.”

Outros países

A Austrália aprovou uma lei de obrigação de negociação entre plataformas e jornalismo, em 2021. Segundo a Poynter Institute, esses acordos, e outros firmados com o Facebook, injetaram bem mais de US$ 140 milhões no jornalismo australiano a cada ano, de acordo com Rod Sims, ex-presidente da Comissão Australiana de Concorrência e Consumidores.

De acordo com dados de estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) detalham que em 2019 o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu aprovaram a nova diretiva de direitos autorais (Directive of The European Parliament and of the Council on Copyright and Related Rights in the Digital Single Market and Amending Directives). Na França, o Google fechou acordo com cerca de 120 veículos, em montante total de 150 milhões de euros por três anos. 

“Esse é um tema que não é só o Brasil que está discutindo, recentemente vários países como Austrália e o Canadá que aprovaram legislações prevendo o pagamento de algum tipo de remuneração por parte das plataformas digitais para empresas jornalísticas, há diferentes modelos em outros países, que foram adotados desde por exemplo, remuneração por um link utilizado”, explica Paulo Rená, representante da Coalizão Direitos na Rede. Mas, ainda assim, há muito a avançar.

“As mudanças mais recentes no Canadá, por exemplo, geraram uma reação das plataformas, especificamente a Meta (Instagram e Facebook) e o Google, retiraram o funcionamento dos links dos grupos conglomerados de notícias dos resultados de busca, os links não vão aparecer nas plataformas pela exigência de remuneração. A solução que foi tentada em outros países ainda aparentemente não está dando certo, mas é muito recente, não sabemos como vai ficar no médio e longo prazo, é um trabalho complexo porque o mercado brasileiro de jornalismo é muito diferente do mercado de jornalismo de outros países”, opina Paulo Rená.

Plataformas 

A Meta informou por meio de nota enviada à Agência Brasil que “o texto também cria um ambiente incerto, confuso e insustentável no qual as plataformas digitais podem ser forçadas a pagar aos veículos de notícias pelo conteúdo noticioso que as plataformas supostamente “usam”. Isso representa um desafio significativo tanto para detentores de direitos (neste caso, os publishers) quanto para plataformas em compreender o escopo e o impacto da lei. Para redes sociais como as nossas, isso é especialmente verdade, já que as notícias aparecem nos nossos aplicativos por decisão voluntária dos publishers de fazer o upload dos conteúdos em nossos serviços gratuitos, para expandir suas redes e engajar uma audiência maior. As pessoas também compartilham notícias com amigos e familiares, mas de modo geral o conteúdo de notícias representa menos de 3% do que as pessoas veem no feed do Facebook.” 

A Meta ainda afirmou que acompanha o posicionamento da Câmara e-net (instituição da qual a Meta é filiada), sobre o PL 2370. “A camara-e.net, associação representante da economia digital no Brasil, expressa sua preocupação com o texto atual do Projeto de Lei nº 2370/19, que poderá criar uma espécie de “imposto” sobre links e conteúdos compartilhados em plataformas de redes sociais. Embora reconheça os desafios em relação à arrecadação de receitas em favor das classes artística e jornalística, a atual versão do texto acarreta consequências significativas para todos os envolvidos, ao trazer insegurança jurídica e deixar de resolver inconsistências na estrutura de Direitos Autorais do país”.

A assessoria de imprensa da Meta destacou um estudo da Nera Economic Consulting que detalha as relações econômicas entre a indústria de notícias e o Facebook. “Segundo o estudo, as alegações dos publishers de notícias de que o Facebook se beneficia injustamente às custas deles estão erradas”, concorda a bigh tech

Até o fechamento desta matéria o Google não havia respondido à Agência Brasil.

*Colaborou Camila Boehm

Fonte: Agência Brasil

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